Monday, May 29, 2006

A vitória dos humildes

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Depois de um político de direita, fundador do PFL, dizer que a origem de todo o caos social brasileiro é a conduta da "elite branca perversa", a gente acha que não vai se espantar com mais nada. Qual o quê! Cheguei a pensar que não tinha ouvido a notícia direito, logo cedo, pelo rádio, mas recebi detalhes assim que cheguei no trabalho. O campeão baiano de 2006 é mesmo um time chamado Colo Colo, da cidade de Ilhéus, até hoje mais famosa por ser o cenário do romance "Gabriela, cravo e canela", de Jorge Amado, e por representar o principal pólo da lavoura cacaueira do estado da Bahia.

O inusitado circunda toda a história da conquista do Colo Colo. A começar pelo nome do clube, idêntico a de um dos mais importantes times do Chile (!). Mas o queixo cai mesmo quando se informa o total da folha de pagamento do time: R$ 28 mil. Quem é familiarizado com futebol sabe que esse valor corresponde a um salário baixo em um dos grandes clubes de São Paulo.

Mas não custa fazer umas continhas rápidas: se um time de futebol tem, pelo menos, uns vinte jogadores, um técnico, um massagista e um roupeiro (deixando pra lá "frescuras" como médico, auxiliar técnico, fisioterapeuta etc.), significa que a média do salário não ultrapassa os R$ 1.200,00.

O aspecto menos surpreendente do título inédito do Colo Colo é a derrocada dos tradicionalíssimos Bahia e Vitória, de mãos dadas na terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Como bem prognosticou o jornalista Silvio Tudela, paulista radicado em Salvador e professor da Universidade Federal da Bahia, em seu artigo "Ba x Vi, isso existe?", de outubro de 2005, a decadência dos dois mais famosos clubes baianos não é coincidência nem fruto de humores azedos dos orixás. É conseqüência de falta de organização pura, mal que tem acometido tantos clubes brasileiros coalhados de glórias passadas.

Mas se não chega a chocar a degringolada da dupla Ba-Vi, ainda assim é de arregalar os olhos a reação conjunta do time do Colo Colo, que praticamente canonizou o presidente do clube, José Maria de Santana, tanto pelo fato de o homem pagar os salários em dia, coisa rara no futebol atual, como por suas palavras de fé. Ainda no início do campeonato, o presidente definiu o Colo Colo como "um produto modesto", o que parece ter inspirado fortemente os jogadores. Tanto que, ajoelhados sobre a bandeira, no meio do campo, após o jogo que definiu o título, os atletas ouviram do volante Sandro as palavras de que "quando um homem entra com honra e dignidade, ele nunca é vencido".

Um monte de gente humilde, liderada por um benfeitor abnegado... Ai, ai: mudou alguma coisa?

14 comments:

Alessandra Alves said...

mais algumas informações sobre o time de ilhéus, enviadas por milton moura, professor da pós-graduação da federal da bahia:

o Colo-Colo foi fundado aí por 1948.
Bateu uma onda de homenagear o time chileno com o mesmo nome.
Futebol e regatas... bem, havia o modelo carioca do Botafogo e do Flamengo...
Mas também havia o remo como esporte cultivado em Ilhéus,
na baía do Pontal, entre a ilha (onde está situada a maior parte da cidade, onde eu nasci)
e o continente (onde está situado o bairro do Pontal, com o aeroporto).

A perplexidade dos soteropolitanos com relação ao nome se deve à superstição
dos próprios soteropolitanos no sentido de que
tudo que se encontra nos limites geográficos do Estado da Bahia é simplesmente Bahia,
ou seja, uma irradiação de Salvador e do Recôncavo.
Isto nunca funcionou com relação a Ilhéus,
que até os anos quarenta tinha uma renda maior que a renda da capital.
Lembro inclusive que, nos anos noventa,
o time de Ilhéus se chamava River.
Em homenagem a quem? a quem?

Alessandra Alves said...

times brasileiros cujos nomes homenageiam clubes estrangeiros não são novidade. o meu combalido corinthians, por exemplo. nenhum problema nisso, mas que é inusitado um time do interior da bahia homenagear um time chileno, isso é, e eu gostaria de saber a origem disso (deve ter uma história por trás dessa homenagem, como tem na origem do nome do corinthians).

anyway, eu não deixo de ficar feliz com triunfos como esse, de davi contra golias, mas a precariedade da estrutura colocolense não me dá maiores esperanças. parece a inter de limeira campeã paulista de 86 ou o bragantino campeão de 90. um fato extemporâneo, fruto muito mais da incompetência dos chamados "grandes" que do nascimento de uma força emergente do interior.

mas meu coração sempre se enche de alegria ao ver humildes triunfando. viva o colo colo de ilhéus!

Anonymous said...

Oi Ale! Nao sabia que voce tinha blog. Vou linkar no meu. Parabens! E viva o Curintia! hahahaahahahaa
visita la: ricaperrone.zip.net

bjs

Véio Gagá - BH said...

Alê, mais uma vez concordo com você. É sempre bom ver o mais fraco vencendo. Renova as esperanças, sentimo-nos nós mesmos capazes de triunfar sobre as iniquidades, até que vem a realidade e mostra que essas coisas não são nada mais do que uma "pegadinha" da vida. Quantos desses jogadores - quantos de nós - vão seguir vencendo heroicamente batalhas desiguais? Quantos vencerão a política empresarial e jogarão em um time grande? Mas as lembranças... ah! Essas nem o mais difícil futuro que eventualmente os aguarde será capaz de apagar.

Viva o Colo Colo de Ilhéus! Viva o heroísmo do povo brasileiro!

Anonymous said...

Véio,

Na verdade se o fraco venceu o forte é porque o fraco é o forte e o forte é o fraco, se é que dá pra entender.
Mesmo o campeonato baiano não sendo por pontos corridos, o fato de ganhar os dois turnos já mostra que o Colo Colo foi merecedor

Véio Gagá - BH said...

Daniel, a questão é que essa é uma realidade efêmera... logo as coisas tomarão seu lugar. Lembra daquela final do paulista: Bragantino X Novorizontino? Ambos chegaram com méritos, claro, mas veja você o que aconteceu com eles. O Novorizontino nem existe mais... Não é que o fraco é forte e o forte é fraco, mas o fraco está forte e o forte está fraco. A força do Colo-Colo surgiu da fraqueza de Ba-Vi.

Alessandra Alves said...

perrone: obrigada pela visita. e, sim, viva o corinthians, ontem, hoje e sempre!

véio: você tocou num ponto que me ocorreu, também, o do heroismo do povo brasileiro. ainda que a vitória do time de ilhéus tenha sido inusitada e muito mais motivada pela fraqueza dos chamados times grandes do que pela força do pequeno colo colo, não há como negar a força de vontade expressa por esses jogadores. e essa situação toda me parece tão brasil... tudo bem, ótimo que o time pequeno tenha superado os grandes, mas em sua estrutura enxuta e salários magérrimos, não parece que o colo colo repete a mesma fórmula paternalista de sempre, com um comandante protetor (eu não disse um coronel!!!) e um grupo de gente à sua sombra, debaixo de suas asas?

daniel: complementando o que disse o véio gagá, eu gostaria de verdade que o colo colo virasse uma nova força no futebol baiano e até nacional, mas a história não nos dá essa perspectiva, como bem lembrou o véio. até times mais antigos e tradicionais, como ponte preta e guarani, vivem uma situação precária em termos de estrutura e recursos.

no embate entre fortes e fracos, fica para mim cada vez mais clara a noção de que os times brasileiros, de forma geral, estão cada vez mais fracos. quer um sinal? a convocação da seleção brasileira. em copas anteriores, discussões e polêmicas intermináveis, fora a disputa bairrista entre são paulo e rio, para ver quem colocava mais jogadores na seleção. hoje, com 21 dos 23 convocados jogando no exterior, até essa rivalidade desapareceu. o que poderia significar um amadurecimento de relações, mas nós sabemos que não é isso. a falta de rivalidade é fruto da fraqueza dos times. o clube mal revela um jogador, já o negocia com algum time estrangeiro. adriano, por exemplo: quem viu jogar no flamengo, que o revelou? poucos, pouquíssimos. quando adriano virou um nome recorrente na seleção, já jogava na europa havia muito tempo.

Anonymous said...

Bom, sei que fiz uma confusão danada com fracos e fortes. Mas o véio traduziu o que eu queria dizer.

Véio Gagá - BH said...

Alê e Daniel, o que acontece com os times acontece com o povo. Orgulhamo-nos quando um "fraco" dá uma lição de moral em um "forte" (por exemplo, um taxista que devolve uma mala com coisas valiosas ao dono), mas essas são as exceções. A verdade é que a classe média, que outrora era forte, está enfraquecida e vivendo da sua fase áurea, assim como o Bahia, o Atlético Mineiro, o Vitória, Guarani, Ponte Preta e tantos outros. Já se dizia que o futebol é o ópio do povo. Digo que o futebol é o espelho da sociedade. Basta ver a relação dos cartolas com os clubes e as torcidas. Como no futebol, a sociedade se entrega a pessoas que usam e abusam da sua condição de dirigentes para tirarem proveitos pessoais negociando, usurpando, vendendo a estrangeiros e - porque não dizer - roubando o patrimônio do clube/nação e da torcida/povo. E a política desses dirigentes é simples: ganha-se um título ou monta-se um bom time teoricamente capaz de ganhar alguma coisa a cada 3 anos / apregoa-se o cumprimento de promessas e acenam com futuro alvissareiro a cada 3 anos.
E assim continuamos a acreditar que aqueles dirigentes querem o bem do clube/país e, achando que precisamos deles quando na verdade são eles que não querem largar o osso, mantemos esse pessoal na privilegiada posição que ocupam.

Desculpem se viajei na maionese, mas dá pra fazer umas analogias, né?

Anonymous said...

Véio, já que você comentou do taxista, gostaria de fazer uma observação sobre isso.
É incrível a queda dos valores em relação ao que tínhamos antes. Quando era criança era assim, e fui criado para seguir essa linha.
Naqueles tempos, devolver algo que não lhe pertencia era normal, era a regra. Hoje virou a exceção. É notícia de jornal até. A pessoa vira herói. Até se devolve parte do achado.

Alessandra Alves said...

véio: eu acho as analogias totalmente procedentes (lembra do post "A favela e a arquibancada"? pois é). faz todo sentido sua análise, mas então cabe uma pergunta - o que o futuro nos reserva? vão acabar a classe média e os times de futebol?

daniel: outro dia mesmo eu estava comentando sobre essa questão de valores e honestidade com meu irmão, especificamente sobre o "achados e perdidos" que havia na nossa escola. os alunos não só entregavam no setor o que achavam e não eram deles como ninugém ousava se apresentar como dono de algo que estava lá e não era seu. imagino que isso seja diferente nas escolas atuais. ainda não sei porque meu filho está na pré-escola...

Véio Gagá - BH said...

Alê, não tema... a classe média e o futebol não vão acabar, hehehehe Acho é que a classe média e o futebol estão fracos, com suas estruturas corroídas e, portanto, mais suscetíveis aos interesses dos "dirigentes".
Quanto aos valores e honestidade, não é nada que um esforço, ainda que hercúleo, dos pais e educadores não possa resgatar. Como? Com atividades conjuntas familiares e com valorização das virtudes. Parece simples, mas é exatamente o oposto do que se apregoa nos programas infantis de massa na TV. Por isso educar bem os filhos hoje em dia seria 0 13º trabalho de Hércules. Mesmo a Sofia não tendo sequer sido concebida ná época, participei do I Congresso Nacional da Família aí em SP no início do ano passado e aprendi muito. Principalmente quando vi centenas de pessoas com o mesmo objetivo: fazer de seus filhos pessoas boas, valorosas, éticas.

Anonymous said...

A questão da educação é mais um problema de "preguiça" dos pais. Hoje se acha que outros devem educar (escola, tv etc).
A responsabilidade pela educação é dos pais. A escola deve apenas ensinar. Até porque não gostaria que meu filho fosse educado por uma pessoa que não conheço profundamente.

Anonymous said...

A questão da educação é mais um problema de "preguiça" dos pais. Hoje se acha que outros devem educar (escola, tv etc).
A responsabilidade pela educação é dos pais. A escola deve apenas ensinar. Até porque não gostaria que meu filho fosse educado por uma pessoa que não conheço profundamente.