Friday, October 23, 2009

Sobre Button, em 2005

Escrevi a coluna abaixo em 2005, no auge dos escândalos do mensalão. O objetivo era analisar as idas e vindas de Jenson Button, que primeiro queria ir para a Williams, depois não queria mais. Bateu o pé para ficar na BAR, que virou Honda, que virou Brawn. No fim da história, a persistência de Button rendeu-lhe o título mundial.

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Talvez seja só fruto do desencanto. Ou porque muito se tem falado de ética ultimamente. Vai ver estamos todos desiludidos, achando que está tudo errado e nunca terá jeito. Mas, lembrando do passado recente, vejo-me tentada, no final de 2004, a escrever sobre Jenson Button. Não o fiz porque o enfoque não era Button como piloto, mas uma circunstância extra-pista, deixei para lá. Ele, agora, volta à carga. E talvez porque todos estejamos indignados, refletindo e dados a desabafos, acho que inglês Button cabe no contexto e chamo a discussão sobre a ética, a ética na Fórmula 1.

Button assinou contrato com a Williams em 2004, estando preso por outro compromisso à BAR até o final de 2005. O piloto e a nova equipe queriam passar por cima do atual empregador, efetivando a troca de time já neste ano. Chegaram a anunciar a mudança, a BAR quis valer seus direitos e a troca de argumentos e interpretações terminou na Justiça. Ganho de causa para a BAR, que manteve o piloto.

A briga do inglês com a BAR foi pública. Ele trocou acusações e insultos com o então chefe do time, David Richards. Mas, como decisão de juiz não se discute, Button reintegrou-se à equipe. Foi nesse momento do contencioso, no ano passado, que me assanhei a escrever sobre a ética segundo Jenson Button. Naquele momento, saltou-me aos olhos a naturalidade com que o piloto e a BAR deram continuidade às suas relações. Insatisfação, rompimento, brechas legais, ações judiciais, uma briga! E, no fim da conversa, Button ficou na equipe e até parecia bem contente. Deve ter contribuído, no armistício, a saída do desafeto Richards da BAR.

Mas, na minha visão algo provinciana e muito idealista do mundo e das relações humanas, essa naturalidade soou estranha. Imaginei-me naquela circunstância em um ambiente profissional, e não consegui absorver a perspectiva de continuar trabalhando em uma empresa contra a qual eu tivesse uma contenda. Coloquei-me na pele do empregador e tive certeza de que não gostaria de ter, em meus quadros, um colaborador insatisfeito que foi à Justiça para não trabalhar mais para mim.

Essa, admito, é a visão de uma pessoa idealista. É claro que acima das convicções pessoais está o interesse financeiro que rege o negócio, e a Fórmula 1, emoldurada como esporte, é na essência um grande negócio. Button deve ser gente boa, tem cara disso, pelo menos. Mas, como todo grande jogador ou aspirante a tal, eventualmente deve dobrar-se às circunstâncias e ir contra seus sentimentos mais íntimos. No fundo, ele queria ir para a Williams. No fundo, deveria estar constrangido por ter de ficar. Na prática, não há nobreza de sentimentos que vença os argumentos dos contratos e o veredicto dos tribunais.

Mas eis que a temporada de 2005 consolida-se como um grande e retumbante fracasso para a Williams. Na pista e nos negócios, a Williams vai mal, conseguindo pódio em Mônaco – a sempre imprevisível Mônaco – mas patinando no resto do mundo. Pior que o presente é a perspectiva de futuro, diante da ruptura com a BMW e a longínqua perspectiva de ter motores Toyota em 2007. Até lá, vai de Cosworth, vislumbrando uma temporada cumpre-tabela.

Não que Button e a BAR estejam em situação muito melhor. A equipe levou suspensão por duas corridas, abandonou qualquer aspiração ao título logo no começo do campeonato, por conta desse gancho. Mas a perspectiva da BAR – praticamente o braço esportivo da Honda – é muito mais alvissareira que a da Williams. Livre em 2006, Button pode concretizar o sonho de correr para a equipe de Frank. Pode, mas não deve ir. “Ser campeão vale mais do que ganhar muito dinheiro”, disse o inglês recentemente, explicando porque deve ficar onde já está.

A lógica é irrefutável: assumir o compromisso com a Williams certamente fará com que o inglês encha os bolsos de libras esterlinas, mas não lhe dará a mais remota chance de ser campeão. A Williams, que já subiu e desceu a montanha russa da Fórmula 1 por diversas vezes, parece ter encontrado o caminho definitivo da ladeira abaixo. Button, tido e mantido como potencial campeão nas últimas temporadas, começa a ver sua carreira entrar na zona perigosa da estagnação. Ou realiza as previsões logo ou se torna um piloto comum, entre tantas promessas que viraram fumaça depois de causar furor em suas primeiras aparições.

O limiar entre um campeão e um piloto comum não está necessariamente na habilidade ao volante, mas nas decisões acertadas. Quem viu o francês Jean Alesi desafiar Ayrton Senna no GP dos Estados Unidos de 1990 não pode duvidar de sua capacidade técnica. Alesi, no entanto, virou um piloto comum ao dar um mau passo na carreira: em vez de ir para a Williams, preferiu o caminho da Ferrari. Histórias como essa devem povoar a mente de Button quando ele se vê diante da encruzilhada de sua vida. Ir para a Williams – e manter o compromisso firmado – provavelmente vai lhe custar a carreira. É jovem, tem talento, quer vencer, rasguem-se os papéis. Quem pode culpá-lo?

Em um determinado momento de sua carreira, Button quis anular seu compromisso com a BAR. Agora, é a palavra dada à Williams que se desmancha no ar. Na essência das duas atitudes, o desejo de ganhar – dinheiro e títulos. Pela glória e pela grana, é isso que rege o mundo, por que esperar algo diferente na Fórmula 1? Como atacar um jovem piloto que se forjou esportista de elite ouvindo preceitos como “o segundo colocado é o primeiro entre os perdedores”?

Criamos nossos jovens repetindo, em casa ou nas universidades, que o importante é vencer. O bom executivo é um “rolo compressor”. O atacante que faz muitos gols é um “matador”. O competente, em qualquer área, é “fera”. Aquele que passa por cima, mata ou ataca suas presas é o vencedor. Como esperar o cumprimento da palavra dada, se isso contrasta tanto com a definição própria do conceito de vencedor, aquele que tudo pode, que não tem limites?

Sim, estamos falando de Fórmula 1, um esporte de altíssimo risco, de altíssimos investimentos. “Quem pode mais chora menos”, “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, “Não quero saber se o pato é macho, eu quero ovo”. Quem está no esporte está para vencer, não para competir, que nos perdoe o Barão de Coubertain. Esse é o comportamento preconizado, o que leva aos títulos, paciência.

Mas, então, vamos parar de estranhar a torpeza do ser humano que se locupleta de toda e qualquer condição privilegiada para ganhar mais, para estar mais à frente que os outros. Vamos parar com a perplexidade diante da demonstração de força dos que têm poder, venham eles de onde vier. “Quem pode mais chora menos”, não é? É essa a lição que damos aos nossos jovens, em casa, na escola ou no paddock? Então, não vamos esperar que eles se comportem de outra forma se, em vez de pilotos, resolverem ser políticos. E não acredito na máxima de que “no esporte é diferente”. Ninguém é ético aqui e antiético acolá. Se Button está errado é porque todos estamos. Mude-se a sociedade e se revejam os conceitos do que é ser vencedor. Ou vamos continuar agüentando as conseqüências

3 comments:

Gustavo Alves said...

Mano,

A ética é um dos temas mais delicados, importantes. Em alguns locais, como a F1, política, os desvios éticos são e/ou ficam evidentes.
Você tem total razão que temos (sociedade) que redobrar a atenção para a educação das futuras gerações. Os nossos filhos cuidaremos. E os filhos dos outros?

danilodssilva@bol.com.br said...

POR ISSO ALESSANDRA ALVES É ALESSANDRA ALVES.
COM CERTEZA NO TOP 3 DOS MELHORES COMENTARISTAS SOBRE AUTOMOBILISMO DO BRASIL!

ba said...

Olha, Alessandra, a gente não pode se iludir, ser idealista ao extremo, nem pensar que os fins justificam os meios, mas o que me deixou pasmo foi o Button tratar com tanta imaturidade a situação... lembro-me que o caso foi chamado de "Buttongate" de tão banalizado que se tornou.

O fato é que acho besteira um piloto ficar negando cont(r)atos como fez Barrichello (nesse último ano, com a Williams), mas tornar públicas as briguinhas, acho, na verdade, amadorismo!

O cara foi campeão? Sim, foi. O título apaga esse amadorismo? Pra muitos, também sim. Não pra mim, que viu o rapaz mesmo antes da temporada ficar reticente quanto à permanência na equipe por questões financeiras.
Óbvio que não quero heróis na F-1, mas, pessoalmente, Jenson Button ficou mais conhecido pelo que fez fora das pistas do que dentro. Quando se diz que ganhou 6 das 7 corridas, parabéns... muito mais à BrawnGP por ter sofrido o que sofreu do que ao piloto.

Desculpe-me alongar no comentário.
Parabéns pelo trabalho e seu Twitter, pra variar, é ótimo!