Wednesday, September 09, 2009

Doctor/Donkey


Não tenho tido muita sorte com as corridas de Moto GP neste ano. Assisti a poucas provas e mesmo estas foram chatinhas. Perdi, por exemplo, o já histórico pega entre Valentino Rossi e Jorge Lorenzo na última volta do GP da Catalunha. Domingo passado, chovendo cães e gatos em São Paulo, deixei-me ficar à frente da TV, assistindo ao GP de San Marino, disputado no autódromo italiano de Misano.

A corrida teve poucas disputas, com Valentino Rossi largando mal, como faz habitualmente, mas reassumindo a ponta antes da metade da prova. Confesso que comecei a folhear alguns livros enquanto espiava a TV, esperando mesmo pelo show que acontece, paradoxalmente, ao final do espetáculo. As vitórias de Valentino não raro reservam o melhor para depois da corrida, com suas comemorações extravagantes.

Na semana anterior, Vale havia perdido a corrida de Indianápolis para Lorenzo graças a um raro, porém severo, erro cometido por ele mesmo. Desceu da moto nos EUA e decretou: "Fui burro!". Desembarcou em Misano literalmente vestindo a pele do quadrúpede. No alto do capacete, pintou a figura do Burro, personagem do filme Shrek. The Doctor virou The Donkey por livre e espontânea vontade.

Finda a prova, mais burrice. Seus mecânicos o esperavam com orelhas de burro na cabeça e ele mesmo lançou mão do inusitado ornamento, subindo ao pódio com um par de enormes orelhas. Correndo em casa, bancando o clown, Vale mais uma vez levou o enorme público à ovação. A multidão gritava "Vale, Vale" e ostentava bandeiras amarelas com seu número, o mítico 46.



Quem há de criticar o erro de Valentino, em Indianápolis, depois de tão sincero mea culpa? Não bastasse rir de si mesmo, ainda sacramentou a redenção com uma vitória incontestável na semana seguinte.

E sempre fico me perguntando: haveria espaço para a espontaneidade de Valentino na Fórmula 1? Senão vejamos:

- para pintar o Burro no capacete, é bem provável que ele tivesse de abrir negociações entre a FOM e a DreamWorks, distribuidora do filme. Afinal, na Fórmula 1 não é assim, vai chegando e vai mostrando qualquer coisa. Ali, para aparecer, há que pagar.

- se subisse no pódio com orelhas de burro, poderia levar uma punição ou uma multa. Perder dez posições no grid da corrida seguinte ou morrer com uns 10 mil euros. Não se ridiculariza a imagem da Fórmula 1 assim, impunemente (ah, não resisto à piada: os dirigentes da Fórmula 1 exigem exclusividade na avacalhação da categoria...)

- se parasse na pista para pegar uma bandeira das mãos de um fã, correria o risco de ser suspenso, sob alegação de promover a insegurança na pista, encorajando intrusos no ambiente sagrado da velocidade.

- seus mecânicos, ao esperá-lo com orelhas de burro, seriam arrolados como cúmplices de uma ação orquestrada para manchar a imagem de seriedade da categoria. Isso sem mencionar a baderna promovida na frente dos boxes por mecânicos e demais membros das equipes, além do atraso habitual na cerimônia do pódio, verdadeiro veneno para uma categoria rigorosamente cronometrada e vendida como show de TV como a Fórmula 1.



É... Acho que a Fórmula 1 não é o habitat de Valentino, The Doctor.

8 comments:

Ron Groo said...

Exatamente!
Não há espaço para a alegria, para o bom humor na F1, o esporte que amo está cada vez mais distante de seu publico.

Os pilotos são (forçadamente) robotizados e temos que nos contentar com uma declaração (ou não) de Raikkonen, ou uma presepada sua com garrafas e fantasias de macaco.

Eu confessadamente não gosto de motos, o que não me impede de gostar do Valentino, aliás não deve existir na face da terra quem não goste dele, da sua carreira.

Sinceramente espero que os boatos que colocam Il Dotore na F1 sejam apenas isto, que ele posso continuar desfilando seu talento e bom humor onde lhe é permitido ser aquilo tudo.
A motovelocidade é uma categoria de paz e humor.

Já a F1 reza pela cartilha de Paulo Miklos: A paz é inutil para nós.
E assim segue com suas espionagens, batidas orquestradas, pilotos aparentemente sem nada para dizer e alguns bons momentos em pista.
Não que eu vá deixar de gostar disto, mas às vezes cansa.

No fundo sou como o Kwak, pato de estimação de Haggar, o horrível que ao ser indagado sobre seu amor por uma femea feita de madeira respondeu ao seu dono: "Ela mudará!"

Julio Lima said...

Alessandre, para toda regra tem uma exceção: lembre-se que David Coulthard subiu ao pódio em Mônaco, envergando uma capa de super-homem.

Unknown said...

Alessandra, essa associação Donkey + F1 me fez lembrar do Donkey inflável da finada Jaguar. Tinha até site, chamado Donkey Does F1, mas já fora do ar. Algumas fotos: http://www.gptotal.com.br/o%20melhor%20e%20o%20pior%20de%202003/2004/011.jpg e http://image.ig.com.br/v5/midias/0417501-0418000/417906.jpg

Smirkoff said...

A formalidade da F1 não é culpa do Bernie ou da FIA, acho que é mais das montadoras, que nos últimos vinte anos acharam que agradaria mais mostrar uma cara corporativa, séria, de quem quer oferecer produtos bons e sérios. Se hovesse um esforço das equipes para melhorar o humor no paddock, haveria mais chance de um Rossi aparecer na F1. Mas eles gostam mesmo dessa cara de escritório e das picuinhas típicas de escritórios.

Ainda assim, o bom humor arranja um jeito de furar o duríssimo bloqueio. Além do burrinho da Jaguar citado acima e da capa do "super-Coulthard", eu posso lembrar as perucas vermelhas que todo o time da Ferrari usou na Malásia em 2000, as "mãozinhas" para o Hakkinen da McLaren em Suzuka, 99, e até o balde de água que Ron Dennis jogou no Senna no pódio de Suzuka, em 91. Deve ter sido a maior piada que Ron fez em sua vida...

CarlosB said...

Concordo com o que a maioria disse. Além do que, Alessandra, na F1 já tem um burro...e dos grandes...

Amanda Roldan said...

Só posso concluir uma coisa: mesmo nas corridas mais emocionantes, a F-1 anda chata pra caramba.

Unknown said...

Sr. Ombudsman da "Folha":

A informação - BLOG LUIS NASSIF "A ARTE DE MELAR INQUERITOS 12/09/09 - vem de blog cuja imparcialidade do titular, principalmente em relação à "Folha de São Paulo", é, no mínimo, questionável.

Ainda assim, não deixa de ser pertinente. O "furo" da coluna de Mônica Bergamo passa a impressão de ter sido um sinal de alerta às empreiteiras e a seus diretores, alvos da ação da PF. Um autêntico "sujou" jornalístico. "Sujou", na linguagem dos bandidinhos de periferia, é o gesto de esfregar os dedos da mão na camisa, à altura do peito, feito por amigos de marginas - ou cúmplices - para avisar da chegada dos "ómi" não percebida pelos meliantes propriamente ditos.

Será que o Sr. Ombudsman tem condições de responder às perguntas feitas pelo blogueiro? 1) A quem serve a Folha? 2) Com quem a Folha tem o rabo preso atualmente?

Ou, de minha humildade autoria: Pra que serve o ombudsman da Folha mesmo?

Agradeço antecipadamente a resposta que sei que não virá. Beijos.

Reggienfwt said...

Alessandre, para toda regra tem uma exceção: lembre-se que David Coulthard subiu ao pódio em Mônaco, envergando uma capa de super-homem.