Sunday, August 10, 2008

Correndo na pipoca

Nunca fui atrás do trio elétrico, mas sei que é preciso vestir uma camiseta especial para poder brincar no espaço reservado aos foliões agregados a cada bloco. Parece que, no Carnaval de Salvador, a tal camiseta, chamada de mortalha, custa uma fortuna. Quem não quer pagar pela mortalha segue o trio elétrico do lado de lá do cordão de isolamento. Quem pula fora do cordão, diz a gíria, pula "na pipoca". Nas corridas de rua, existe algo parecido.

Quem se inscreve em uma corrida ganha um kit que, normalmente, contém o número de identificação, conhecido como número de peito, o chip que deve ser amarrado ao tênis para registrar a passagem do corredor e, conseqüentemente, marcar seu tempo, e uma camiseta. Ao final da prova, devolvendo o chip, o atleta ganha sua medalha. Entre os integrantes da equipe Conexão, foi absorvida a gíria do carnaval baiano. Quem corre sem inscrição, para nós, corre "na pipoca".

Sempre me inscrevo para todas as provas, pelo prazer de ver meu tempo oficial registrado e, principlmente, para ganhar a medalha. Em geral, não dou bola para a camiseta, porque corremos sempre com o uniforme da equipe. Pois neste domingo, corri "na pipoca". Aconteceu o seguinte: a Corrida do Centro Histórico, organizada pela Corpore, é patrocinada por duas entidades ligadas aos advogados e, por isso, grande parte das inscrições é reservadas a essa categoria de profissionais. Quando fui me inscrever, na mesma semana em que abriram-se as inscrições, elas estavam esgotadas. Mesmo assim, como a equipe já tinha se programado para participar e como eu adoro correr no Centro Histórico, fui "na pipoca".

Costumo me auto-definir como uma paulistana de araque. Conheço pouco do centro da cidade, pouco mesmo, a ponto de me perder. Nunca transitei muito pelo centro e, nos últimos anos, a passagem por ali se resume a essa corrida, tradicionalmente disputada no segundo domingo de agosto. Na verdade, acho isso lamentável. O centro de uma cidade deveria ser sempre seu lugar mais valorizado e bem cuidado. Deveria ser ponto de encontro para o lazer. No entanto, o centro de São Paulo há muitos anos está longe dessa descrição, embora, pelo que dizem seus freqüentadores mais contumazes, esteja melhorando nos últimos tempos.

A Corrida do Centro Histórico tem algumas particularidades. Em vez dos habituais dez quilômetros, esta tem nove. Outro charme dessa prova: em vários pontos, espalham-se grupos de músicos tocando estilos variados para corredores e transeuntes. Na largada, um tenor entoando sucessos consagrados de cantores como Fred Mercury e Andrea Bocceli. Depois, uma cantora de voz agradável mandando ver em uma canção de Marina Lima. No Pátio do Colégio, sempre colocam um grupo de música de câmara. Este ano, um combinação bem original - um quinteto de cordas tocando música renascentista. Mas, que legal!, entre os instrumentos do quinteto, uma guitarra. Se os astros pops passaram, nos últimos anos, a fazer versões "unplugged" de seus sucessos, porque os músicos clássicos não podem subverter essa fórmula e fazer versões eletrificadas de clássicos centenários?

A prova do Centro Histórico tem outra característica perene - muita gente para pouco espaço. São cerca de seis mil atletas, espremidos em ruas estreitas, em um percurso cheio de curvas. Até o quilômetro três, antes de chegar à Avenida Ipiranga, é cotovelada para todo lado. Com isso, passei todos esses trechos acima dos cinco minutos por quilômetro. Eu não estava muito preocupada com o tempo, justamente por saber da dificuldade de correr com tanta gente em volta. Mas, depois do quilômetro três, ao ganhar avenidas um pouco mais largas, fazer o quê? Eu não estava preocupada em fazer tempo, mas comecei a achar espaços e fui aumentando o ritmo.

Correr no centro da cidade é, por vezes, uma aventura meio bizarra. Além de desviar das manchas de óleo deixadas pelos ônibus, desta vez tive de passar por cima de um rato morto e de uma calça jeans (!). Teve gente, na equipe, que afirma ter pulado por cima de um sutiã preto. Isso eu não vi. Mas tem sempre uns grupos de mendigos que fazem festa para os corredores, e uma turma que grita "olha o rapa" quando passamos por ela.

Já depois do quilômetro sete, passei por uma dupla formada por um deficiente visual e por um guia voluntário. Estávamos no meio de uma subida e o cego perguntou ao guia: "Já está acabando a ladeira, né?". Fiquei me perguntando se o fato de não saber onde termina a subida ajudava ou atrapalhava o desempenho do valente corredor. Só consegui concluir o que sempre me vem à mente: como admiro esses deficientes que correm e como respeito a dedicação de quem se propõe a guiá-los.

Embora não estivesse com idéia fixa no tempo, percebi que tinha conseguido recuperar bastante a desvantagem do início. Ia fazendo contas e percebendo que seria possível passar abaixo dos 45 minutos, o que por si só representaria meu novo recorde pessoal para a distância. No ano passado, terminei essa prova em 45min38, ou 5min04 por quilômetro. Quando cheguei à Rua Libero Badaró e zerei o cronômetro do meu relógio, ele marcava 44min35, ou seja, consegui baixar meu tempo em mais de um minuto. Fiquei feliz pelo resultado, claro, mas meio desapontada por não ganhar medalha, desta vez, e por não ver meu nome nos resultados oficiais.

Depois, para comemorar mais uma corrida em equipe, fomos tomar uma café no conhecido Bar do Estadão, tradicionalíssima casa paulistana, famosa por seu sanduíche de pernil, à qual a paulistana de araque aqui nunca tinha ido. Não encarei a louvada iguaria, mas meus colegas fizeram a honra da equipe. Benza Deus!

5 comments:

Celinho Boy said...

Adoro tuas histórias, Alessandra. Pô, que sacanagem. Bateste teu recorde pessoal, mas não ganhates medalha, medalha, medalha (que nem o Mutley. Aliás, adorava este desenho). Agora é rumo aos abaixo de 44, he, he.
Pelo que me contaste, parecia aquelas história da Corrida Maluca. Só faltava aparecer o Dick Vigarista. :)
Mas teve partes bem bacanas deste percurso, como este com o deficiente. Me lembrou a história do Zanardi que até foi alvo de um comentário teu. É legal saber que as pessoas deficientes não ficam se lamentando e conseguem se superarem. Gostei tbm da confraternização. Então não quiseste encarar o sandu de pernil, ha, ha. Deve então ter comido pipoca, só pra ironoizar.

Mudando de assunto: 2 coisas
1)Falando em recordes, que fera é o Michael Phelps. Além de recorde, sorte: sua equipe estav perdendo pra França e um dos nadadores da equipe conseguiu um sprint e tirou o ouro dos franceses. Mais uma na coleção do americano.
2)Agradeço pelo esclarecimento. é duro perder um colega de serviço, né. Tudo de bom pra ti.
Bjs e abraços.

Anonymous said...

Tem alguma relação o fato de correr na pipoca e melhorar o tempo,menor pressão ,mais descontraida?

Se for assim ,corra só na pipoca!

Ou não tem graça ficar sem medalha?

Seja como for ,gostaria ainda de saber sua meta ,qual o tempo dos sonhos no 10,000m ?

Jonny'O

niltonhc said...

Alê, e o que posso dizer de um amigo que encontrei na prova da VW?

1) Ele não se inscreveu, mas conseguiu entrar no local de "concentração" da prova ao dizer para o segurança que o kit estava com o treinador, lá dentro.

2) Antes da largada, a VW estava dando pedômetros para os 1.500 primeiros que chegassem e apresentassem a chave de um carro VW. O amigo do meu amigo tinha uma chave VW e foi buscar o pedômetro. Ao voltar, este meu amigo pegou a chave emprestada, foi ao balcão e pediu o pedômetro. O atendente comentou "Esta chave já passou por aqui..." mas mesmo assim deu o brinde.

3) Na hora de irmos para a largada, nova passagem pelos seguranças. Como ele estava sem número de peito, foi interpelado e respondeu (sem parar de andar): "Meu número de peito está lá na frente"

4) No final da prova, ao reencontrá-lo, vejo uma medalha em seu peito! A explicação: "Eu nem ia pegar a medalha, mas a pessoa que recolhia o chip não era a mesma que entregava a medalha. Esta última foi me estendendo uma medalha, e eu peguei..."

Só faltava ele ganhar o carro do sorteio!!! :-D

Bjs.
Nilton

Anonymous said...

Ja corrí sem inscrição e mais de uma vez. Mas confesso que não acho legal e não voltaria a fazer.

Para mim, não tem muita diferença correr sem inscrição ou firar fila. No fundo, sempre existe uma desculpa que justifica a infração. Ou falta de educação mesmo.

Quando corri sem numero não me senti no direito de pegar agua nos posto de hidratação e muito menos a medalha ao final da corrida, mesmo sabendo que poderiam sobrar sem dono ao final da corrida.

Do ponto de vista do organizador deve ser frustrante ver corredores sem numero participando do envento. Quer correr, inscreva-se. Estou te oferecendo um produto, se quizer, pague por ele. Caso contrário, não participe.

Mesmo com todos os problemas de organização que as corridas enfrentam, não se justifica correr sem inscrição. Igual à desculpa do cara que fulou a fila do cimena.

Acho que voce deve estar sentida por não ter a medalha de seu recorde pessoal nos 10k. Espero que na proxima quebra de recorde voce seja premiada com a medalha a que tem direito.

Abraços

Andre

Anonymous said...

Temporal que voce fez, menina!
Baixar quase um minuto é uma cacetada.
Aproveita a deixa e dá umas aulas de "como baixar seu tempo fazendo força" ao Flavio Gomes, seu velho amigo.
Como ele vem de carro novo por aí - e soviético! - vai ter que dar muita explicação se não vier tempo...
Abraços
Claudio Ceregatti