Sunday, March 18, 2018

Um sopro de esperança



Maria Rita e a orelha de Obá
Há algo de novo no samba de Maria Rita. Lançado no final de janeiro e já transformado em show, o novo trabalho chama-se “Amor e Música”. É o nome de uma das canções, mas é também um manifesto. No palco do Citibank Hall, em São Paulo, a cantora explica: “sou fruto do amor e da música, de duas pessoas que se amaram e eram músicos”. Mas, na leitura de alguns fãs, segundo ela, amor e música são os elementos de que o Brasil precisa para seguir em frente, superar esses tempos sombrios. E ela concebeu o show, de fato, como um rasgo de esperança. Como um sopro de esperança. E são os sopros que parecem algo de muito novo neste show.

A banda continua enxuta, e exposta no palco. Junto do teclado, da bateria, do contrabaixo e da percussão, dois instrumentos de sopro ajudam a encorpar o som ao vivo. Já estão presentes e evidentes no disco. Trazem um caráter épico, um samba enobrecido, saído do terreiro para a sala de espetáculo.

Em alguma medida, “Amor e Música” me traz recordações do primeiro disco de samba da mãe-mito. Elis entregou seu cartão de visitas de cantora adulta na forma de um LP chamado “Samba eu canto assim”, em 1965. Quando Maria Rita lançou seu primeiro disco só de sambas, “Samba meu”, escrevi sobre as diferenças entre as duas, neste texto. Onze anos depois de “Samba meu”, Maria Rita parece musicalmente muito mais próxima daquela Elis Regina tão jovem e ao mesmo tempo tão orquestral, dramática, diva. Depois de ter mergulhado na obra da mãe, em “Redescobrir”, Maria Rita já não precisa se afastar muito menos se espelhar em Elis. Foi lá e fez do seu jeito. E deixou muito claro: são duas artistas tão únicas que, a essa altura, confundi-las revela apenas a ignorância das obras de ambas.

Maria Rita abre o show com a música título, Amor e Música. O som começa, sobe o pano, ela já está lá, no centro do palco, junto a seus músicos. Sem entrada triunfante, sem suspense e facho de luz. Está lá, membro da banda, responsável pelo instrumento voz. O espetáculo, como era de se esperar, está recheado com as músicas do novo disco. Pinçadas, umas poucas canções de trabalhos anteriores. E centrar o show no disco novo foi atitude sábia porque o novo álbum é excelente, coeso. Como Elis, Maria Rita seguidamente apoia-se em dois ou três compositores para escolher o repertório de seus discos. Completa essa base com poucas canções de outros artistas. E o resultado é sempre uma obra coerente, que conta uma história.

E a história que Maria Rita parece querer contar, desta vez, é a de uma gente que resiste, que tem fé e esperança. Há tempos, tenho sentido muita saudade de Maria Rita cantando MPB e achei, tolamente, que esses tempos bicudos seriam motivo para ela entoar novos ou velhos Gonzaguinhas, Chicos Buarques, Miltons Nascimentos, bradando as verdades entaladas nas nossas gargantas. Tolice e preconceito meu. Maria Rita fez isso cantando samba. É certo que introduziu “O bêbado e a equilibrista”, João Bosco e Aldir Blanc, o hino da anistia que a mãe imortalizou. Mas só quem não tiver ouvidos vai deixar de ouvir as tantas mensagens políticas dos sambas desse espetáculo.

Talvez, tenhamos, nós, sociedade, cortado a própria orelha para não ouvir os gritos dos excluídos. Mas a Obá de Maria não nos deixa esquecer que a fé brasileira é de matriz africana misturada a santos católicos. É Iemanjá livrando nossos corpos e mentes de maldades e mal querências. É gira girando em um palco sofisticado da Zona Sul de São Paulo. É batuque, é guia no pescoço, é oferenda. Dois dias antes, mataram Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Eu, talvez, quisesse que Maria falasse por ela. E falou. Porque, se isso que vi no palco não é mensagem política suficiente, cortemos a outra orelha também.
Elis Regina, em Montreux

Maria Rita, no espetáculo "Amor e Música"





































Em julho passado, Maria Rita comemorou seus quinze anos de carreira em um espetáculo naquele mesmo palco. Festa grandiosa, convidados de luxo, mas deu ruim. Sim, faltou voz, mas Maria não deixou calar. Dignamente, terminou o espetáculo, finado como DVD que não foi. Em 1979, Elis foi para Montreux, para o festival de jazz famoso. Algo desandou. Irreconhecível em algumas músicas, deu ruim. Um arrepio percorreu minha espinha quando vi Maria Rita surgindo com uma saia rodada, o cabelo preso em um coque, em cima daquele palco do Citibank Hall. Figurino e penteado muito parecidos com os da mãe, naquele Montreux malfadado.

Arrepio de pensar que, depois de um espetáculo que dá ruim, o show deve continuar, e o povo (Elis, Maria Rita, o Brasil) se supera. Os metais anunciam. Um sopro de esperança atinge meu rosto. Iremos achar o tom. Fazer com que fique bom. A gente vai ser feliz. O show tem que continuar.

2 comments:

Anonymous said...

Estou há pelo menos 3 dias pensando se escrevo ou não escrevo algo. Penso que alguém possa chegar até vc e depois até a área de comentários e ler uma crítica ou um contra-ponto, uma visão diferente da sua.
Bom, boa tarde. Aí vai.
. Amor e música temos de montão. Precisamos de Ordem e Justiça. Amor... Não existia, em tempos bíblicos, a palavra 'respeito' assim como 'preguiça' até pouco tempo poderia significar 'melancolia' ou 'depressão'. Amor, como respeito ao próximo, sim, claro.
. Para assistir um show desses só se você estiver de bem com a vida, ou seja, ser egoísta. É feito sob medida para a chamada esquerda caviar ou 'inteligentinhos' como descreve uma esquerda chic Pondé. Explico: saiu do show, a realidade. Carro blindado ou pegar um trem até Jaçanã ? Quem você sugere ser o espectador do show ?
Cairia como uma luva no antigo Canecão. Anos 1970. Sabe como a esquerda deixou a casa de shows que por muitos anos foi a mais famosa do país ?
Fora do tempo exato, atual, para mim. Dormiria nele. No show. Por educação, não vou. Show da Pitty deve ser mais interessante.
. Acho que ela copia a mãe e todos aplaudiam. Poxa, nada de mal mas teve uma época que se irritou com isso, logo no início, tolamente.
. Que gente é esta que tanto resiste e que tem fé e esperança ? Mania de esquerdista querer falar pelo pobre. Com o povo, pelo povo, para o povo ! Mas LONGE do povo ! Pobre quer educação e saúde de qualidade. Infraestrutura básica em boas condições. Transportes eficientes. Segurança, ir e vir do trabalho tranquilo. Hoje, com disse Giuliani quando prefeito de NY: 'segurança é mais importante que educação'. Pobre quer boa alimentação. Quer... EMPREGO ! EMPRESAS ! CAPITALISMO ! Mas o que a esquerda canta ? Ilusão. Pro futuro a gente resolve ! Esperança ! Depende de nós... Sabem o significado da caixa de Pandora mas não dizem a verdade sobre a 'esperança'. Ou será que não sabem ? O que a esquerda no poder desde 1995 nos deu ? Corrupção e violência ! Populismo. Copa do Mundo e Olimpíada. Circos ! Sim, senhora. PSDB, PT e PMDB. Sociais democratas e socialistas.
Ué ? FHC, Lula e Dilma, Temer(vice da...).
Tempos bicudos ? Tempos socialistas.
Minha... garganta ? Não, estes caras aí não me representam. Prefiro o BRock, uma 'Perfeição' de Renato Russo a trinta 'Construção' do Chic ! Lobão chama esta mpb de paumolista. Acho que ele está certo.
. Anista. Por favor, You Tube. anos 1950, 1960, 1970. Os exilados( e auto exilados) foram embora por quê ? Lutavam por democracia ?
Que 'estilo' de democracia lutavam ?
Democracia EUA, Inglaterra, França OU 'democracia' URSS, Cuba, China ?
. Gritos dos excluídos. Serão os mesmos proletariados(gente que resiste) ou os lumpemproletariados ?
. Fé brasileira é cristã. Católica, na sua maioria.
. Marielle Franco. Perder a vida de forma tão covarde. Investigação e prisão são necessárias. Daria perpétua para os assassinos mas e o PSOL ? O que a esquerda acha desta minha singela sugestão ? Bom, amor para os assassinos ?
. Esperança. Ela, de novo. Um pais cheio de empregos. Educação que ajude ao mais pobre na competição cada vez mas acirrada. Não tem volta. E um país forte sem esquerda populista. A cantar.
. Curiosidade. O show foi bancado com dinheiro da gente que resiste, dos excluídos ou não ? Do próprio bolso ? Tomara não tenha saído de empresas campeãs nacionais( amigas do Rei tipo JBS ), Caixa ou BB ou de lei Rouanet.
. Lula já está indo pro xilindró ?

M.C.

Alessandra Alves said...

M.C: fique à vontade para postar sua opinião. Identifique-se, não tenha medo. Não debato com quem não se apresenta.