Monday, April 10, 2017

Mimadinhos

Lançado nos EUA em junho de 1982, só chegou ao Brasil em dezembro
No princípio, era o atraso. Os filmes eram lançados no mercado norte-americano e levavam muitos meses para estrear no Brasil. Não estou falando de filmes cult, aqueles que um grupo muito específico de espectadores quer assistir por ser o mais recente lançamento um diretor tailandês controverso ou de uma performer sérvia. Blockbuster mesmo, daqueles que estouram nas bilheterias e/ou colecionam estatuetas no Oscar.

“Guerra nas Estrelas”, por exemplo, foi lançado nos Estados Unidos em maio de 1977. No Brasil, oito meses depois, em janeiro de 1978. Em 1982, as coisas tinham mudado pouco: “E.T. – o extraterrestre” foi apresentado ao mundo no Festival de Cannes, em maio. Chegou aos cinemas norte-americanos em junho. Estreia no Brasil? 25 de dezembro. Havia uma tradicional convenção de atrelar os lançamentos de blockbusters ao período do Verão, e assim o público brasileiro esperava, pacientemente.

A mais recente "história Star Wars" estreou no mundo inteiro no mesmo dia

Quatro décadas depois, a dinâmica mudou completamente. A mais recente produção da série Guerra nas Estrelas – “Rogue One – Uma história Star Wars” – estreou no mundo inteiro no mesmo dia, em dezembro de 2016. Tempos de economia globalizada, de esforços concentrados para gerar alta receita, no menor tempo possível. Como tudo na vida, essa sincronia trouxe benefícios e desvantagens. Entre elas, uma espécie de fobia dos chamados “spoilers”.

Não conhece o termo? Sem problema. O dicionário Inglês-Português resolve: spoiler significa “destruidor, desmancha prazeres”. É derivado do verbo to spoil (estragar, malograr, deteriorar). No jargão dos fãs desse tipo de série, “dar spoiler” significa contar algum detalhe do filme (e nem precisa ser o final). Outra derivação do verbo é a palavra spoiled, que significa, em Português, mimado. Poucas associações podem ser tão significativas.

Veja a reação de um fã de alguma dessas séries (vale para as de TV também) diante da perspectiva de receber um spoiler. Parece uma criança contrariada, mimadinha que, diante da bronca, tapa os ouvidos e fica emitindo ruídos altos, para não escutar a voz dos pais. Juro que já ouvi, de um deles: “a pior coisa que uma pessoa pode fazer é dar um spoiler”.

Claro, alguns finais de filmes ou episódios, se revelados, roubam o elemento surpresa que os realizadores de filmes engendraram na trama. Saber antes que Bruce Willis também é um (assassino? psicopata? fantasma?) esvaziaria a grande revelação de “O sexto sentido”. Assim como descobrir que os personagens de “Lost” estavam todos (delirando? falidos? mortos?). Mas a turma, às vezes, exagera, como na vez que um crítico de cinema recebeu reclamações por ter revelado que Adolf Hitler morria (!) no filme sugestivamente intitulado “A queda – as últimas horas de Hitler” (!!).

Além disso, reduzir toda a obra cinematográfica “ao que acontece” é atestado de superficialidade. Se tivesse lido, antes de ver o filme, que o E.T. faz as bicicletas dos garotos voarem em determinada cena, por isso você teria deixado de se encantar com a poesia das imagens criadas por Steven Spielberg? Se soubesse antes que a personagem de Jodie Foster conversa com o espírito de seu adorado pai em “Contato”, ficaria menos emocionado com a beleza daquele encontro? Um filme não se resume ao que acontece nele, mas em como isso se apresenta na tela.

Sam Peckinpah: não conhece? Dá um Google e pronto

A geração que nunca precisou esperar um semestre inteiro para assistir a um filme já visto no Hemisfério Norte também parece se ressentir de referências a outras obras em resenhas e críticas de filmes. Já vi gente reclamando que, em tal texto sobre um filme de Quentin Tarantino, certo crítico fez referência a Sam Peckinpah. “Nunca ouvi falar desse cara, por que ele está citado aqui?”

Comumente, esse tipo de referência é lido pela horda de mimadinhos como exibicionismo do crítico quando, muito provavelmente, ela é um elemento a mais para a compreensão da obra analisada. Considerando que basta uma rápida consulta em um site de busca para saber que Sam Peckinpah foi um dos primeiros diretores a incorporar a violência de forma explícita em seus filmes, chega a dar pena da preguiça de alguns leitores, que deixariam de conhecer a fonte de um elemento fundamental na obra de seu cultuado Tarantino.


Lá nos anos 1980, 1990, quando havia uma referência desconhecida em uma crítica, a alternativa era procurar em livro, revistas especializadas. Com alguma sorte, encontrar um filme antigo em uma videolocadora. Hoje, com tudo mais fácil e à mão, descortinando praticamente a história do cinema em incontáveis conteúdos online, há quem reclame. Eles, os mimadinhos. 

3 comments:

Carol Reis said...

Nossa, essa frescura me incomoda demais.

Certo dia estava lendo uns comentários sobre a série The Tudors, um deles comentava sobre a decapitação de Ana Bolena. Um irritadinho foi reclamar com o autor do comentário pq a morte dela, fato histórico famoso, era spoiler.

Outra situação curiosa q notei recentemente em relação a isso foi uns comentários q li sobre o recém-lançado trailer de Liga da Justiça. Alguns fãs comentaram que o Superman, morto no filme anterior, não deveria aparecer no material promocional do filme seguinte. Ora, um personagem como esse é um ícone e o filme vai vender mais com ele no poster do que sem ele lá. Então, é óbvio que o estúdio responsável vai inseri-lo no marketing, não vão prejudicar a divulgação de seu produto apenas para satisfazer capricho de fã bobo, que representa uma parcela ínfima do público total.

Aliás, falando em materiais de divulgação, as pessoas adoram reclamar que trailers mostram demais e bla bla bla. 1- Ngm é obrigado a assistir. 2 -Acontece que trailers quase sempre fazem um apanhado geral da trama, revelando detalhes importantes, inclusive, como é o caso do primeiro piratas do caribe em 2003 e Vertigo, em 1958. Porém, as pessoas hj tratam isso como novidade e reagem com uma histeria que não possuíam antigamente, qnd o marketing fazia a MESMA coisa.

Alessandra Alves said...

Carol, muito obrigada pelo comentário. Demorei algumas semanas para me decidir a publicar esse texto, porque eventualmente me parecia um simples choque de gerações, mas a conclusão do seu comentário é um complemento importante na compreensão da dinâmica da divulgação de filmes e séries: SEMPRE foi assim! Obrigada :)

regi nat rock said...

Essa geração mimimi, é um pé no saco. Não se dão ao trabalho de ler a orelha de um livro que alguém comentou. Pedem um "sumariozinho" da orelha!!!! ´"è muito grosso..., vou levar um ano pra ler e por aí vai. Acho fascinante conhecer uma história e assistir um filme baseado nela e conhecer a imaginação do diretor ou roteirista em provocar o climax que já é conhecido...É td para consumo imediato e esquecimento em menos de uma semana. Tenho livros e DVD's que volta e meia, releio ou assisto novamente e sempre se percebe alguma coisa que instiga de alguma forma. As entrelinhas são sempre mais saborosas especialmente para quem aprendeu a pensar e faz, disso motivação pra seguir em frente. Spoiler pra mim, sempre foi um adereço aerodinâmico para carros de corrida. Se usava muito, nos anos 60 e 70.
Aliás, apesar da tecnologia fabulosa , detesto assistir em cinema filmes que fazem pensar. O silencia é ouro e ficar ouvindo neguinho comendo pipoca, conversando, fazendo barulho,sem contar com os celulares tocando alto, ai ai ai.. é pra perder o tesão mesmo.... beijim...