Sunday, April 10, 2011

Paradoxo


Não esperem de mim análises que terminem com "a corrida foi chata". Já viram aqueles adesivos que propagam a ideia de que um mau dia no surfe é melhor que um bom dia no escritório? Pois para mim funciona assim: um dia com corrida sempre vai ser melhor que um dia sem corrida, seja a corrida como for. Porque, insisto, a corrida da Malásia pode ter sido chata para brasileiros, espanhóis e britânicos. Mas, para os alemães, foi uma corrida fantástica, como fantásticas eram as provas que Ayrton Senna liderava de ponta a ponta. Chatas para os franceses, adoráveis para os brasileiros.

Se nosso automobilismo não foi capaz de produzir um novo campeão nos últimos vinte anos, a culpa provavelmente é menos da F1 e mais da gestão do automobilismo no Brasil. É certo que a FIA esforçou-se por criar regras bizarras que tornaram a categoria por vezes risível, outras ininteligível, outras simplesmente idiota. Mas pilotos continuaram ganhando corridas e campeonatos enquanto isso, e o fato de não serem brasileiros não pode diminuir seus méritos, até por se darem bem na barafunda esquizofrência das mudanças de regras.

Sebastian Vettel provavelmente será bicampeão do mundo, conquistando o título de maneira muito mais tranquila do que o fez em 2010. É admirável ver conjuntos vencedores de piloto e máquina, como foram tantos na história da F1. Só para ficar nos mais recentes: Button e a Brawn, Alonso e a Renault, Schumacher e a Ferrari. É o state of the art em termos de desenvolvimento tecnológico e perícia. Vettel tem uma receita de vitória que leva um dia para a marinada terminar de dar o tempero. Começa no sábado, com a pole. Termina no domingo, depois de liderar a corrida inteira. Fácil é achar que isto é simples. Vê-lo extenuado após a corrida dá uma medida do esforço que é cozinhar esse boi em fogo lento. Mas, desculpe-me jovem alemãozinho, ainda estou esperando sua grande corrida. Porque, mesmo enaltecendo sua capacidade de tirar tudo do carro nas situações-limite, gostamos do embate, da disputa, da refrega. De ultrapassagens, em resumo.

E por mais que a organização da F1 tenha tentado criar condições para mais ultrapassagens, lá na frente não está sendo nada útil. Vettel não precisou ultrapassar ninguém neste ano, ainda. Largou lá na frente e sumiu. No máximo, negociou com retardatários. Não é testemunho para o funcionamento da asa móvel. Nem o KERS da Red Bull, que parece ser o grande - senão único - calcanhar de Aquiles da equipe austríaca está lhe fazendo falta. Vai altivo, soberano lá na frente. Nossa sanha por disputa nos faz desejar um escorregão que seja do alemão e de seu boi voador. Quem sabe assim, acossado pela desvantagem, Vettel faça a corrida que espero e que, de fato, não lhe fez falta nenhuma do ponto de vista prático até agora.

Mas, a despeito do espetacular e modorrento domínio de Vettel, a F1 atual vive uma espécie de paradoxo em relação ao ano passado. Em 2010, a alternância na ponta da tabela à primeira vista poderia sugerir um campeonato eletrizante. E era, porém formado de corridas "chatas". Em 2011, graças principalmente à necessidade de mais trocas de pneus e à ação da asa traseira móvel, tivemos duas corridas movimentadas. OK. Não chegarei ao ponto de dizer "eletrizantes". Mas corridas inegavelmente movimentadas, que provavelmente resultarão em um campeonato "chato".

Para nós. Não na Alemanha.

8 comments:

Fernando said...

Po, se a primeira vitória do Vettel em 2008, debaixo de um temporal com uma Toro Rosso não foi uma corrida fantástica, eu não sei qual será...

Wilson said...

Puxa, eu absolutamente não achei uma corrida chata. Verdade, Vettel sumiu lá na frente e não teve problemas, mas atrás dele estava acontecendo uma corrida ótima - várias ultrapassagens, mudanças inesperadas (como quando Alonso tentou passar por cima de Hamilton), várias situações com carros lado a lado por várias curvas...

Pena que Vettel perdeu tudo isso.

Régis Portanova said...

Perfeito!
Parte disso é culpa do "galvãonismo" imposto aos brasileiros na época do Senna.
Aliás, achei péssimo o filme sobre nosso ídolo. Mesquinho e triste demais. O que você achou?
Obrigado.

Alessandra Alves said...

Fernando: na época da primeira vitória do Vettel, também enalteci sua conquista, principalmente por ter vencido com uma Toro Rosso. De fato, para mim, aquela permanece como a grande corrida dele, mas a fórmula foi a mesma: largou na pole e lá se manteve (com competência, claro) até o final, sem ser incomodado. Eu realmente gostaria de ver uma corrida do Vettel na qual ele fosse desafiado e ainda assim resistisse, ou na qual atacasse um líder e levasse a vitória na base da ultrapassagem.

Wilson: perfeita sua última frase! Concordo - o único que não viu nada disso foi o Vettel.

Régis: fui ver o documentário "Senna" e tive sentimentos ambíguos. Por um lado, revi praticamente minha adolescência e início da idade adulta, e acho que a memória afetiva nublou parte da minha visão crítica do filme. Por outro, parecia que eu estava vendo uma novelinha ou um filme de bang-bang, com um mocinho (Senna), um forasteiro que o desafia (Prost) e um xerife malvado (Balestre). A carreira do Senna merecia mesmo coisa melhor. Ele não precisa ser canonizado para que as atuais gerações o respeitem como atleta, concorda?

Ron Groo said...

Longe de ter sido chata, mas fiquei preocupado com a artificialidade.

Teve uma hora que Heidfeld passou por uma Maclarem como se esta fosse uma Hispânia!

Mas beleza. Ao menos demos boas risadas do infortúnio do Alonso.

Ricardo Bastos said...

Alessandra desde que surgiu atraves da Band-News Salvador a opção de nos vermos livres de ouvir aquela voz por demais desgastada... que pela TV só faço assistir más o audio é com a equipe de voces. Acompanho F1 desde 1972 e confesso que se fosse possível assistiria corrida todo domingo. Gosto muito dos comentarios do Mengali que são sempre equilibrados. Agora a viuvês de Bruno Senna e Kubica é que tem sido algo demasiado. Parabenizo a voce Alessandra por que voce realmente a única mulher que conheço que verdadeiramente conheçe a F1 MESMO. Em tempo:
Grande foi a sua lembrança de Manoel Audaz. Grande garota!
Vrum,Vrumm,Vrummmmmmmmmm.
Tchau!
Ricardo.

Régis Portanova said...

Olá Alessandra. Concordo plenamente, o que Senna fez nas pistas basta para nós. Boas lembranças, sentimento de orgulho e decepções com seus erros na pista. Coisas do esporte. E não o "bang-bang" que foi o filme. Obrigado querida.
P.S.: vou seguí-la no twitter.

Alessandra Alves said...

Ron: rapaz, você tocou em um ponto que tenho ensaido comentar - a artificialidade trazida pelo recurso da asa móvel. Vou amadurecer isso, mas começo a achar que, de fato, ela é quase uma covardia com quem está à frente. Mas vou amadurecer melhor esta ideia. De qualquer forma, obrigada pela sintonia.

Ricardo: que bom saber que temos mais um soteropolitano na audiência. Que terra boa a sua! Também fiquei feliz em lembrar da canção do Toninho Horta, e mais feliz ainda em saber que muitos ouvintes gostaram da lembrança. Já escrevi sobre Toninho aqui no blog. Se tiver paciência, dê uma navegada e você acha. Obrigada pela audiência e até a China!