Thursday, July 22, 2010

Dzi Croquettes



“Não somos homens nem mulheres, somos gente”.

Dita logo no início do documentário Dzi Croquettes, a frase acima resume o tom andrógino, revolucionário, libertário e inovador da trupe teatral que marcou o cenário artístico brasileiro nos anos 1970. Há alguns meses, vi uma reportagem sobre o filme, no Canal Brasil, e fiquei muito interessada, principalmente por poder conhecer uma história sobre a qual eu tinha poucas informações.

Outro motivo para minha curiosidade em relação ao Dzi Croquettes estava em seu integrante mais famoso – Lennie Dale. Sua figura surgiu para mim no dia do enterro de Elis Regina (de novo...). Me impressionou muito a figura do homem à beira do túmulo, chorando em desespero. “Quem é que vai cantar pra gente agora?”, ele dizia. Fiquei sabendo que era Lennie Dale, nome que eu já tinha ouvido algumas vezes, sem saber exatamente o que fazia. Definido habitualmente como bailarino e coreógrafo, Lennie era mais que isso. Era um artista completo, um one-man show. Anos depois, lendo “Eis aqui os bossa-nova”, do crítico e meu querido amigo Zuza Homem de Mello, entendi que Lennie Dale não foi só um bailarino, coreógrafo ou homem de cena, mas também uma figura importantíssima da Bossa Nova, seja pelo baú cheio de discos que trouxe para o Brasil quando veio dos EUA, seja pelo profissionalismo que impôs aos shows do “Beco das Garrafas”, templo da música brasileira nos anos 1960, seja pela inventividade harmônica que introduziu nos arranjos em seus espetáculos.



Eu sabia que Lennie Dale tinha a ver com o Dzi Croquettes, mas não sabia que ele não tinha sido seu único criador. Para falar a verdade, eu pouquíssimo conhecia dos outros artistas que fizeram parte do grupo e fiquei até surpresa ao saber que Claudio Tovar, consagrado ator, diretor de teatro e, last but not least, marido da atriz e cantora Lucinha Lins, tinha feito parte da trupe. E, cá entre nós, pela minha idade e pelo meu interesse na cultura brasileira, acho que deveria saber mais. Minha percepção reforça a motivação dos diretores do documentário – Tatiana Issa e Raphael Alvarez. Sócios em uma produtora de Nova York, eles decidiram filmar “Dzi Croquettes” porque perceberam que as novas gerações não conheciam a história do grupo. Bingo, queridos diretores. Se eu, que nem sou tão nova assim, vi o documentário como uma sequência de revelações, imagino os mais jovens.

Coeso e linear, o filme tem muitos méritos, além do resgate da história do grupo. É muito bem editado, mescla imagens da época, fotos e entrevistas recentes de maneira coerente e dinâmica. Gostei, particularmente, da edição de um trecho extremamente emocionante, quando o diretor Amir Haddad fala sobre a morte de Wagner Ribeiro, fundador do Dzi Croquettes. A voz do entrevistado vai se tornando embargada, ele faz pausas. Nas pausas, outros trechos de entrevistas, com outras fontes, preenchem os vazios, complementando o mesmo assunto.

Mas, quem sou eu para avaliar um documentário do ponto de vista técnico... O que me fez sair extasiada do cinema foi a emoção de “Dzi Croquettes”: as cenas do período da ditadura, o contexto autoritário e retrógrado em que os rapazes decidiram levar seu desbunde para um palco no Rio de Janeiro, a absoluta transgressão de corpos semi-nus (que mané semi-nus, o quê?! Peladões, só com tapa-sexo e olhe lá!), o entusiasmo e a devoção de artistas consagrados, como Liza Minelli, Betty Faria ou Ney Matogrosso, ou nascentes na época, como Miguel Falabella, Jorge Fernando e Claudia Raia, os tristes desfechos cercados de AIDS e assassinatos da maioria de seus integrantes. E tudo costurado com o depoimento da própria diretora, filha de um “agregado” do grupo, o iluminador Américo Issa, morto em 2001. Ou, como ela diz, “transformado em purpurina”.



Ao ver aqueles corpos magérrimos, só músculos e ossos, e aquelas caras pintadas, impossível não associar a imagem do “Dzi Croquettes” ao fenômeno “Secos & Molhados”, origem do próprio Ney. Estranhei o fato de não haver nenhuma ponte sobre isso no filme. Quem teria influenciado quem? Se alguém souber (Tatiana? Raphael? Mais alguém?), gostaria de saber.

Muitas vezes, quando vejo cenas de um tempo que não vivi, prevalece a frustração. “Não sou deste tempo, nasci em época errada, quem me dera ter visto isso ao vivo...” Com o passar do tempo, passei a ter outra visão sobre o tema. Até porque, não adianta mesmo: o DeLorean do “De Volta para o Futuro” só funciona no filme. Por vezes, fico pensando que é melhor conhecer alguns ícones do passado com o filtro dos anos, com o distanciamento das décadas. Algumas coisas foram inovadoras demais, transgressoras demais. Será que eu, com minha formação classe-média-católica-paulistana teria sintonia com uma produção cultural tão rompedora como foram os “Dzi Croquettes”? Morro de medo de pensar que eu estaria do outro lado, achando aquilo tudo uma “pouca vergonha”. Como escrevi certa vez, aqui, é fácil olhar a revolução com os olhos de hoje e se posicionar a favor dela. Mas, será que estaríamos todos prontos a abraçá-la?

7 comments:

Anonymous said...

Brou,

Preconceito. É isto que tem que acabar!

Olhar o diferente: seja ele minoria, popular, Ou brega. E avaliar. Não precisamos gostar de tudo! Nem devemos!

Gustavo Alves

Unknown said...

Oi Alessandra.

Não li o texto, (esse, os outros dois novos eu li), estou sem calma para ler agora, mas só comentei aqui para dizer que estou muito satisfeito por ter voltado a escrever.

Seja bem vinda de volta a esse endereço, a casa estava vazia há um tempo.

MARCELO MENDEZ said...

Oi moça...

Eu gosto bastante de seu trabalho e da sobriedade de suas letras. Mas eu vim aqui para convida-la a conhecer nosso cinema virtual...

BANDIDOS DO CINE XANGAI é nosso blog, onde postamos FILMES COMPLETOS sem limite de minutos, totalmente de graça pra galera assisitir. Sam Peckinpahn, John Cassavetes, Russ Meyer, David Cronemberg, Jim Jarsmursch entre outros figuram entre nossos filmes em cartaz, todas as terças de cada semana. O endereço é:

www.cinexagairkm.blogspot.com

Aguardamos sua visita!

1 Beijo.

Marcelo Mendez

marcelxx@hotmail.com

denise said...

coincidência das coincidências eu antes de ascender a onda dzi croquettes nos blogs pela estreia, li no ótimo "devassos no paraíso" do joão silvério trevisan sobre o grupo, e a origem inspirada no the cockettes de san francisco (http://www.cockettes.com/history1.html), e se antes já tinha ficado em angústias para saber mais, agora com o documentario então...

Tatiane said...

Alessadra,
Vi a propaganda do documentário no Canal Brasil. Interessada, através de uma pesquisa no google, encontrei o seu blog.
Agradeço pelas tantas informações que encontrei por aqui.

InFeto - um artista organoreciclável. said...

Pois é cara Alessandra esse Cometa que passou e tão pouco e praticamente "indivulgável"... Esse"nasci na época errada" é uma dorzinha la no fundo. podendo confira meu texto sobre o Filme Dzi Croquttes. ABraços

http://poesiafotocritica.blogspot.com/

Bel Tavares said...

Alê, acredito que conhecer a história deste grupo fabuloso agora, nos faz realmente sair da condição de julgadores para admiradores. Linda e sincera sua postagem. Bjs cheios de purpurina! 🎊