Pesado, denso, sufocante e, no entanto, fluido e envolvente.
“Uma mulher alta”, dirigido pelo russo Kantemir Balagov, propõe-se a contar uma
história de guerra sob a ótica feminina e termina por mostrar que as sequelas
podem ser tão profundas na alma dos civis quanto em corpos mutilados e
paralisados dos soldados que retornam.
A “grandona” do título é Iya (Viktoria Miroshnichenko), uma
enfermeira que trabalha em um hospital de Leningrado repleto de soldados russos
recém-egressos da Segunda Guerra. Traumatizada pelo conflito, ela desenvolveu a
tendência de eventualmente ficar paralisada, incapaz de se mover enquanto
respira com dificuldade. Logo depois de um evento pessoal trágico, ela recebe a
amiga Masha (Vasilisa Perelygina), que volta da guerra e passa a morar com ela.
O jovem diretor Balagov, de 28 anos, demonstra notável domínio
da linguagem cinematográfica ao expressar o contraste entre as duas por meio dos
enquadramentos escolhidos, de seus figurinos, das cores associadas a cada
personagem. Esse talento foi reconhecido no último Festival de Cannes, no qual
o russo foi premiado como Melhor Diretor da mostra Um Certain Regard. Com quase
nenhuma trilha sonora, o filme ainda se mostra ousado ao apostar em diálogos
muitas vezes monossilábicos, reforçando o peso do silêncio naquele universo.
Também é admirável que Balagov adote um ritmo propositadamente lento nos
movimentos de câmera, sendo muito parcimonioso no uso de cortes. O pós-guerra
em um país recém-liberado de batalhas é um tempo de angústia, de insegurança e
de observação, e suas lentes traduzem exatamente esse ritmo.
Iya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina): contrastes |
Ainda que ligadas por uma amizade genuína, Iya e Masha são
mulheres muito diferentes, a começar pelo contraste de altura, mas sobretudo
pela forma como a guerra impactou a vida e o espírito de cada uma delas. Enquanto
Masha parece sempre disposta a expor o que o horror do conflito lhe impôs, e
buscar soluções imediatas para problemas que ela mesma sabe insolúveis, Iya
tenta a todo tempo escamotear seus traumas, medos e grande culpa, sabendo-se
igualmente impotente diante das evidências de horror que se espalham por sua vida.
Paulatinamente, o filme deixa claro que o livro aberto de Masha no fundo
esconde páginas ainda mais sangrentas, e que o esforço de Iya em fazer seus
próprios problemas desaparecerem em um cenário tão terrível resultam apenas em
mais dor.
Baseado na obra “A guerra não tem rosto de mulher”, da
vencedora do Nobel Svetlana Aleksiévitch, “Uma mulher alta” é uma história de
guerra contada sob a ótica feminina. Nela, aos homens cabem basicamente dois
papéis: o de soldados feridos nas batalhas, ou de produtores de esperma. Em sua
obsessão por resolver seu problema insolúvel, Masha será ardilosa a ponto de
usar modalidades diferentes de chantagem (real e psicológica), sem conseguir
esconder, por baixo de gestos e frases enérgicas, a alma despedaçada que passou
a carregar dentro de um corpo igualmente com sequelas. Nesse mundo governado
por homens, que resolvem seus conflitos em guerra, usá-los no que lhes é mais
simbólico de sua virilidade pode não ser minimante eficaz no seu caso, mas termina
por se mostrar altamente catártico.
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