Friday, January 26, 2007

Maceió, o que Deus deu, o que o homem não dá

Devo ser mesmo alguém bem chata. Não que eu deteste viajar, gosto. Mas logo sinto falta da minha cama, do meu travesseiro, dos meus hábitos bestas. Estar de frente para o mar é um processo que atravessa três fases. Nos primeiros momentos, o deslumbramento. “Ah, que natureza linda, que paisagem privilegiada!” No segundo, a descompressão. “Puxa, quase nem pensei em trabalho, faz tanto tempo que não ligo o computador...” No terceiro, ai, que saco!!! Quem colocou toda essa areia aqui?!?!

O surto contra a vida selvagem até que demorou, desta vez. Me agüentei firme por vários dias, sinceramente envolvida pela beleza natural de Maceió. (Também, quando o chilique veio, sobrou para todo mundo: para a indefectível areia, para as algas, para o anoitecer precoce e, Oscar de melhor atuação destas férias, para o vento, diacho de vento inesgotável dessa terra!). Outra coisa que vai me tirando do sério nas férias é a hipocrisia do biquíni. Um instante, maestro: alguém já parou para pensar na porção de falsidade contida naquelas duas peças? À análise, pois.

A maioria das mulheres que veste biquíni jamais andaria de calcinha e sutiã pela casa, fecharia as janelas, cortinas e frestas sob a perspectiva de ser observada pela vizinhança em trajes íntimos. E, no entanto, vestem biquínis que recobrem menos seus corpos que suas enormes calcinhas de cintura alta e dispositivo de compressão na barriga. O que cria o salvo conduto do biquíni? É o tecido que limpa a barra ou as mulheres se deixam inebriar pela mistura insana de areia, maresia e vento, andando pela faixa de areia de uma maneira que não fariam dentro da própria casa? Enfim, em frente...

Como isso não se trata de uma reportagem turística, vou ser curta e grossa em minha faceta guia de viagem. Maceió é uma capital de linda orla, com praias paradisíacas a relativamente pouca distância do centro. Andando trinta ou quarenta quilômetros, para o sul ou para o norte, chega-se a recantos belos, locais quase rústicos onde a natureza é, de fato, privilegiada.

A questão é que meu encantamento com a natureza tem vida curta. Devo ser como aquele cantor chatinho que diz se encantar mais com a rede que com o mar. Mea culpa, mea maxima culpa, mas sou encantada com realizações, com transformações, com a capacidade do homem de progredir. A natureza bela esteve aí desde que o mundo é mundo, ninguém precisou criar nada. Bonito, para mim, é ver o homem interagir de maneira inteligente com esse mundo de Deus e deixar sua marca, criar o belo, não apenas admirá-lo.

Ano passado, fui para Salvador pela primeira vez. Amei a cidade, me encantei com tantos monumentos e locais históricos, tive a sensação de sempre ter estado lá. Não é sensação de vidas passadas, não, é o aflorar de tantas informações que crescemos ouvindo, seja nas aulas de história, nos romances, nas poesias, nas letras de música. (Ainda que eu tenha levado um choque imenso ao ver a tal escadaria do Senhor do Bonfim. Escadaria, baiana, pára com isso! Aquilo são três degraus!!!) Salvador e Maceió, como de resto todo esse nosso miserável país, são cidades que escoam pobreza por todo lado, o que dá uma tristeza quase permanente estando lá (lá e aqui, né?!). A natureza, em Maceió, é mais selvagem, menos urbanizada que em Salvador. Para quem gosta de praia, Maceió. A cidade de Salvador, por sua vez, é história, é folclore, é poesia, é música, é arquitetura colonial, é opulência do ouro. Para quem gosta de cidade, Salvador.

A sensação que tive, ao percorrer as ruas e a estrada costeira da capital alagoana, foi de que a cidade tem só o que Deus deu. O homem ali, até agora, não foi capaz de fazer muito. A natureza farta chocou meus olhos. Em toda a orla, coqueiros, coqueiros, coqueiros. Cocos e mais cocos apodrecendo no pé. Ninguém plantou aquilo, ninguém também vai colher. Não achei ninguém que me dissesse, mas não duvido que a voz corrente seja algo como: “o coco daqui não presta, não”. E eu não entenderia tal assertiva como insolência pura. Pode ser o fruto de uma tradição que opõe a posse e o poder, de um lado, e a pobreza e a subserviência, de outro.

Do sul maravilha, a bordo de meu pacote turístico pago em prestações, saí de Maceió com uma sensação incômoda, e não era a areia, esse meu antigo desafeto. Era a tristeza de ver como segue pobre e ao deus dará esse nosso Brasil.

17 comments:

Alessandra Alves said...

sobre a teoria do biquíni, que fique claro: para mim, a hipocrisia está em não andar de calcinha e sutiã pela casa, não em vestir o biquíni para ir à praia, porque para mim os dois atos revelam as mesmas coisas!

Paulo C. said...

Alessandra
Será que a sua sensação de estranhamento não tem a mesma raíz do que ver um homem de smoking na praia? Penso que o que acontece é a inadequação entre vestimenta e local. Nem mesmo os homens, olham para os corpos quase nus das mulheres na praia, com a mesma excitação e cobiça que teriam ao ver esta mesma mulher de calcinha e sutiã, na janela do quarto. É o que rege o voyerismo. A invasão é o que excita. Quero dizer que, vestimentas sumárias ou mesmo nus, na praia, acabam se banalizando pelo esperado da coisa. Talvez, se a questão é chamar a atenção, mais roupa teria um efeito melhor. Talvez por isso, as meninas se sintam constrangidas quando surpreendidas na sua intimidade do quarto e não se importem com a exposição na praia. É mais agressivo o olhar que invade uma janela do que o que olha da barraca.
De resto, concordo com tudo o que você diz. Ter visão crítica sempre, mesmo em férias viajando. Ver o outro lado. Não comprar o pacote pronto e ir na corrente geral dizendo OHHH!!! E, além de tudo, ter a coragem de publicar sua visão.
Se só metade do povo brasileiro tivesse isso que você tem, estaríamos salvos. Bjos.

Anonymous said...

Alessandra, bom, acho q por morar só, e tb por ter sido criada apenas por minha mãe, tenho muita liberdade nas roupas que uso, ou não uso, em casa. Mas, entendo a sua estranhesa. O ato de desnudar-se é o mesmo.

Quanto à situação de certas partes do Brasil, parece que é dada muita importância à natureza, o que efetivamente não é obra humana. Lembro da anedota do padre que foi visitar um sitiante logo após assumir a paróquia. Na varanda da casa, depois de contemplar o sítio bem cuidado, ele comenta: que belo pedaço de terra que Deus lhe deu meu filho. Ao que o sitiante responde: é mesmo padre mas, o senhor precisava ver o abandono que tava aqui quando Ele cuidava disso sozinho.

A natureza pode ser bela, porém, apenas isso não vai resolver nada, se o homem não meter a mão na massa e auxilia-la.

O que não sei é se é melhor deixar a natureza intacta, mesmo que de forma improdutiva; ou bulir desastradamente como geralmente fazemos.

Bom, o fato é que sou suspeita, por ser um ser urbano, que é capaz de achar o centro de São Paulo como uma área linda e maravilhosa. Sou maluca eu sei,rss.

Anonymous said...

Oras, para bom baiano três degraus bastam!

Eu me lembrei de um desenho, acho que do Pernalonga, onde ele vai parar na ilha deserta, onde o seu habitante só tem coco para sobreviver. Eu sou péssimo de memória, mas ele até chora de não aguentar comer tanto coco, e ao ver escapando seu ensopado de coelho.

Os primos da minha mãe, que vivem ali na Rodovia da Laranja, eles plataram uma pedaço de coqueiros. É uma merda, coco precisa de muita água de irrigação. Nós ganhamos dois pés de coco, um plantamos no interior e foi roubado, o outro esta aqui em casa, em São Paulo. Uma das terras mais férteis do estado está sob o asfalto da cidade, São Paulo é uma cidade do interior, onde se plantando tudo dá. O coqueiro puxa tanta água que deixa o úmido solo desse brejão arenoso. O crescimento é lento (com irrigação em 2 anos estava dando coco, aqui são mais de 5 anos e nenhum coquinho!)

Uma das coisas mais difíceis é saber o que fazer com a riqueza... Seja natural ou a humana.

Anonymous said...

Anônimo ass. Edu...

Alessandra Alves said...

paulo: concordo com sua visão. o contexto pode mudar o comportamento, mas acho que isso é mera convenção social, né? porque, ao fim e ao cabo, que diferença faz, né? trajes sumários são trajes sumários, a mente humana é que complica tudo.

valeria: hahahaha! adorei sua piada. o desafio é esse mesmo: interferir na natureza, mas com inteligência. até agora, a humanidade não foi muito hábil em fazer isso. por mais que me ridicularizem, eu acho que a educação ambiental está contribuindo para formar gerações mais capacitadas para isso (tá certo que às vezes até a minha paciência se esgota com os exageros do pessoal dos "verdes"...).

outra coisa: eu também adoro são paulo e sinto uma falta danada disso aqui quando estou longe.

edu: vou começar ignorando solenemente sua colocação politicamente incorreta sobre baianos. adorei sua aula teórica sobre coqueiros! não é se de admirar que um coqueiro necessite tanto de água. pô, não é água de coco que pedimos sofregamente à beira-mar? de onde sairia tanto líquido? e não é de se estranhar, também, que alagoas seja um sítio tão propício ao nascimento dessas árvores. o lugar é conhecido como paraíso das águas!

agora, vem cá, mesmo com a dificuldade que é plantar coco, quanto você quer valer que, algum dia, em algum lugar distante, alguém vai acabar descobrindo que coco é bom para uma pá de coisas (combustível, por exemplo), vai criar mil produtos à base de coco e nós vamos ficar olhando, chupando o dedo (ou o coco)?

Anonymous said...

Oi Ale,

Tudo bem? Já se preparando pra sua primeira maratona?
Sobre os cocos e coqueiros, na verdade, por incrível que pareça, foram plantados pelo homem sim.

O Brasil é um país riquíssimo em palmeiras. São espécies nativas das nossas paragens o Açaí, o Buriti, o Palmito Jussara, o Babaçu, entre tantas outras espécies.

Mas nossa palmeira mais famosa, o Coqueiro, ou Coco da Bahia (Cocus Nucifera) na verdade foi trazido das ilhas do Pacífico pelos primeiros colonizadores portugueses que aqui desembarcaram. E foram eles que, encontrando nas nossas areias nordestinas terreno mais do que propício para seu desenvolvimento, transformaram o litoral das então capitanias,em verdadeiras fazendas de coqueiros.

Depois desse grande empurrão do homem, a natureza fez o resto. As plantações de coqueiros se auto-propagarm tanto, que a impressão que nos dá ao chegar em Maceio, na praia do forte, em Porto de Galinhas, é de que só pode ser uma obra da natureza.

Então, saiba que até nesse caso, Ale, alegre-se!, nossa mão teve um grande papel em iniciar toda essa beleza que você admirou.

Um grande abraço e até a próxima,

Teo

Anonymous said...

Ué, "politicamente incorreto" de verdade é perder piada pronta! ehhe

O coco já é considerado a vaca dos vegetais, se aproveita do fucinho ao rabo. Dá para fazer até fibra de carbono de coco, com a fibra do coco (a mercedes usa a fibra do coco pra fazer bancos)... Na verdade, a primeira fibra de carbono quem obteve foi um tal Thomas Edson, imagine você tentando fazer o que. Ele fez isso a partir do algodão. A fibra de carbono que usam hoje (e que deu certo..) tem como base outra coisa que não me lembro agora, mas há estudos da obtenção de fibra de carbono a partir do coco.

Já pensou um F-1 movido a álcool, construído em fibra de coco?

Alagoas Power F1!

Alessandra Alves said...

teo: sensacional! adorei a aula sobre cocos e coqueiros. eu não sabia de nada disso, obrigada mesmo. fico realmente feliz em saber que tem a mão do homem ali, porque é o tipo de ação casada campeã, concorda? o homem levou o coco para lá e a natureza de encarregou de proliferá-lo a um ponto que realmente parece uma planta nativa. fantástico!

edu: obrigada a você também pelas informações sobre fibra de coco. o máximo que eu sabia disso é que existe fibra de coco. até comprei uma toalha em salvador, ano passado, feita do material.

engraçado isso que você falou sobre a tecnologia a partir do coco, né? porque se der certo mesmo fazer um produto de alto padrão a partir do coco, não seria o máximo ter o brasil como benchmarking (ou como exemplo), chegando até à fórmula 1? eu acho que seria, mas infelizmente, nós subvalorizamos tudo o que é daqui, sempre é na base do sarro e até a copersucar/fittipaldi, que foi um p... negócio importante, legal e de respeito aqui virou chacota, né não?

Anonymous said...

O Brasil é um país que tem vergonha de seus caipiras. Queremos parecer assim cosmopolitas, na vanguarda do mundo, o país do futuro. Acho que a única saída é ser caipira. Quer país mais caipira que os EEUU? Boa parte que os EEUU são devem aos seus caipiras, e odeiam eles especialmente por causa de seus caipiras.

Só erra quem arrisca a fazer algo. Quem não faz nada não arrisca e não erra. Os caipiras são ridículos por natureza. Ser ridicularizado por seus erros é uma honra pra quem já nasceu ridículo. Pelo menos terá feito por merecer e não será mais uma simples vítima da natureza.

Mas quando esses caipiras ridículos acertam... Ahhh, que ódio!

Os cowboys fizeram, cometeram erros e acertos. Assim como os irmãos Fittipaldi. Os Fittipaldi não tem uma natureza caipira, são até nobres, mas se meteram a agir como caipiras. Foram ridicularizados e desprezados. Engraçado, pois o Emerson só saiu da pindaiba lá no meio dos caipiras que deram certo.

O problema da cidade do interior é diferente do das capitais. Nunca vi nenhum politico afirmar isso, nem direta ou indiretamente. A solução apresentada é sempre a mesma, pro interior e para a capital, o que reforça a idéia que tenho que politico é um bicho que quer resolver um problema que ele faz questão de não conhecer.

A verdade é que as capitais existem para suprir o interior daquilo que o interior teria dificuldade em produzir, e o interior serve para que forneça o que as capitais não possam produzir.

Nós não temos mais a idéia disso, apesar que eu desconfio que antigamente sabiam o que estavam fazendo. A capital servia como ponto de comercio, de informação, onde os homens iam estudar, ganhar dinheiro para desbravar o interior em busca de mais riquezas.

Só pra continuar minhas bobagens, mas não garanto minha plena saúde mental daqui pra frente... A capital virou um lugar onde se formam homens que fazem da sua informação e dinheiro o único sentido da vida. É essa a dimensão da vida na capital, um fim em si mesmo. Então se entulham homens covardes nas capitais, não tem mais corajem de desbravar o interior. A capital fica parecendo uma pequenópolis, pois realmente é diante do interiorzão. Afinal, se meter no interior é coisa caipira.

Anonymous said...

Voltando de mais uma temporada em terras soteropolitanas, sou obrigado a concordar com o Edu, três degraus na Bahia é um escadaria de respeito... OOOOCCCCCHHHHHH
E digo mais, do Nordeste só conheço, justamente, Bahia e Alagoas. Pra primeira mantenho uma relação de amor incondicional. Só no ano passado estive lá duas vezes a trabalho e duas a passeio, e esse ano já bati meu ponto por lá, fui padrinho de casamento de uma amiga querida, fui ao Festival de Verão, fui à Praia do Forte, fui comer o Acarajé da Cira, eleito o melhor da cidade, enfim, pacote completo. Já pela segunda, fui uma única vez, e nunca mais voltei... Só isso já denota uma escolha evidente.
E me sinto um pouco autorizado a dizer, a diferença não é tanto pelas belezas naturais ou pelas misérias humanas, pois há dos dois nas duas (tanto o belo quanto o triste), mas a diferença se faz no povo. O Bahiano, apesar da fama, é um povo trabalhador, empreendedor, que aprende desde cedo a conviver com adversidades e ainda assim, ser feliz, sorrir, dançar, receber os outros com um carinho incomparável. Claro, quando digo trabalhador, empreendedor, é do jeito deles, com uma velocidade que é só sua, uma ginga particular, uma simpatia toda própria. E com essas características é que a Bahia conseguiu construir tanto na música, na poesia, na arquitetura, no seu jeito de viver.
É evidente que comparando-se com os ditos "padrões paulistas", os bahianos não seriam tão assim espetaculares, mas como paulistano "da gema", eu me pergunto, será que os "padrões" estão corretos??? Ou será que nós paulistas é que invertemos os valores das coisas e perdemos um pouco do prazer de levar uma vida mais leve?
Não nego que a Bahia tem muito ainda a desenvolver, tem muita pobreza a ser combatida, tem muito pensamento "coronelistico" a ser mudado, mas é inegável que eles também tem muito a nos ensinar.

Anonymous said...

Só pra completar, o Festival de Verão é uma das festas mais democrática e diversificada que eu já vi em toda a minha vida, mais que o carnaval.
É que além de reunir todos os níveis sociais, e aí eu digo, vai desde o povão mesmo, até a elite, (claro, em camarotes separados...), mas também eles conseguem atrair as pessoas mais diferentes possíveis.
É que, ao contrário do carnaval, que vai quem gosta de axé, pois é só isso que toca, no Festival de Verão, na arena principal se sucedem shows tão diferentes quanto Carlinhos Brown (que mistura de tudo), Netinho (que é puro axé), Ben Harper (que transita entre pop, rock e surf music), Babado Novo (um pouco mais de axé) e Aviões do Forró (o nome já dá noção do ritmo). Tudo isso num mesmo dia, na mesma arena, e exatamente nessa ordem. Então a diversidade de público que frequenta o festival é tamanha que você vê desde o axezeiro, passando pelo roqueiro, e terminando no forrozeiro.
No show da quinta-feira então, foi mais diversificado ainda, pois começou com Alcione, com seu samba maravilhoso, em seguida teve Jota Quest com seu pop/rock melodioso, Ivete Sangalo, que é sem dúvida a rainha do coração dos bahianos, Asa de Águia, um dos maiores representantes do axé, e fechando a noite, Gloria Gaynor, a diva da disco music dos anos 70.
E todos os shows cheios de gente pulando, cantando, dançando, sem barreiras, sem violência, sem discriminação de raça, cor, opção sexual, idade ou condição social (essa última meio maculada pela existência dos diversos setores, é verdade, mas ainda assim, com alguma diversidade dentro das áreas).
Todos os artistas sendo respeitados, aplaudidos e com seu trabalho sendo reconhecido pelo mesmo público.
Enfim, esse é só mais um exemplo da riqueza da Bahia...

Alessandra Alves said...

gui, sobre seu primeiro comentário: eu tenho refletido bastante sobre essas diferenças entre as duas cidades, desde que estava lá em maceió. acho que você chegou ao ponto - a diferença está no povo. claro, as duas cidades são lindas, a natureza foi generosa com ambas, o homem é que atuou diferente em cada uma delas.

claro, também, que a questão não é determinista assim: quem nasce em salvador é alegre e vibrante, quem nasce em maceió é letárgico e resignado. não! eu acho que existem raízes históricas que justificam essas diferenças.

salvador, talvez por ter sido a primeira capital brasileira, carrega séculos de história, ciclos de prestígio e riqueza que, se por um lado serviram para alimentar esse coronelismo a que você se refere e a aprofundar as diferenças sociais, por outro também revestiram a cidade e a cultura local de uma importância que, na minha opinião, acaba disseminada por todo o povo, independente de ser rico ou pobre, poderoso ou obediente.

ao longo dos séculos, a bahia (e salvador) foram associados à beleza, ao bem-viver, ao prazer, à alegria. isso pode não ser totalmente verdade - há muita pobreza e injustiça lá, como em todo canto desse nosso país. mas fale para você mesmo todo dia que você é lindo, capaz, desejado etc. e veja se você não se sente melhor com isso. vale para o indivíduo, deve valer para o coletivo!

por outro lado, maceió, acredito que como a maioria das cidades do nordeste, não vivenciou esse status, que talvez não passe mesmo de mito, mas que levanta o ego de salvador e de sua gente. fazendo city tour pela capital alagoana, em certo momento ouvi a guia perguntar a todos: "tem algo que vocês querem saber sobre maceió que eu não tenha falado?" seguiram-se várias perguntas, todas sobre o mesmo tema: onde é a casa em que morreu pc farias? qual a verdadeira história por trás da morte dele? rosane collor é tão ignorante quanto falavam? e collor, tão grosso quanto parecia?

a guia disse uma frase que parece habitual a todos os nativos: "puxa, mas vocês sempre só querem saber de pc e collor!" e, cá entre nós, o que mais se sabe sobre alagoas? não dá mesmo para ter muita auto-estima com uma história dessas.

remetendo ao que você falou sobre o ritmo baiano - será que não estão certos eles e nós é que somos acelerados demais? - lembrei de outra passagem, essa em salvador. alugamos um carro e estávamos estacionando na frente do prédio do meu amigo silvio, que mora na barra. era uma ladeira e havia uma mulher sentada na sarjeta, bem onde tentávamos estacionar. a moça parecia uma estátua, nem aí com a perspectiva de ter seu pé esmagado pelo pneu do carro. diante do meu espanto com tanta letargia, silvio se riu todo e disse: "minha filha, isso é a bahia. pra que que ela vai se levantar? quem está manobrando é você, o problema é seu. se o carro chegar mesmo muito perto, talvez ela levante o pé. até lá... e além do mais, ela chegou ali primeiro!" tem toda lógica.

silvio costuma dizer que a bahia não existe, que a bahia é uma alucinação coletiva e talvez a bahia seja isso mesmo, um estado de espírito.

Alessandra Alves said...

gui, agora sobre seu segundo comentário: que alegria ter esse tipo de notícia! é tanta violência e intolerância sempre que a gente se desacostuma e começa a achar que sempre, onde existir multidão, vai haver confusão.

há alguns anos, eu torceria o nariz com gosto para alguns dos artistas que você mencionou. no entanto, deixei muito do meu preconceito depois de ler um livro sensacional, que recomendo vividamente, chamado "eu não sou cachorro, não", do paulo césar de araújo, o mesmo que escreveu a biografia do roberto carlos agora. nesse livro, paulo césar fala sobre os artistas chamados "cafonas" dos anos 70 e mostra como eles não apenas sustentaram a indústria fonográfica daquele período como também foram censurados da mesma forma que aconteceu com os artistas da elite. depois de ler esse livro, revi muito dos meus conceitos sobre o que é bom ou ruim, o que é bacana e o que é brega, percebendo que o fato de eu não gostar deste ou daquele estilo me dão o direito de rotulá-los ou de vociferar contra eles.

pelo que você falou, o festival de salvador foi uma celebração a muitos estilos, cada um foi lá para curtir o que gosta, sem patrulha, sem preconceito.

ah, meu querido, fico tão feliz! será que chegou mesmo a era de aquário?

Anonymous said...

É, essa parte da música cafona também reforça a minha idéia que caipiras ridículos (óia o pleonasmo) sustentam o universo.

Vou fundar o MLC, Movimento de Libertação dos Caipiras. Contra a repressão ao caipirismo.

Anonymous said...

Vc sabia que Fernando Collor não é alagoano? Ele é carioca.
Tudo bem, ele foi eleito novamente aqui em Alagoas, mas vc acha que isso é um problema de Alagoas ou do Brasil? Ou o Maluf não foi eleito tbm? E o ACM? E o Palocci? E tantos outros...
Não, o povo alagoano não é letárgico, é um povo hospitaleiro, acolhedor e, sobretudo, um povo guerreiro.
Alagoas: Terra da Liberdade! Vc conhece Zumbi? Ouviu falar no Quilombo dos Palmares?
Sim, temos muitos problemas por aqui, mas são problemas nacionais: a pobreza, a miséria, a falta de educação, de saúde, de segurança, a situação se repete, com maior ou menor intensidade, em todas as cidades do Brasil... O pior é a indiferença, considerar que tudo isso é normal...
Realmente não trocaria minha Maceió por sua São Paulo.

Alessandra Alves said...

o inútil: muito do que você disse está contido no post original e nos meus comentários posteriores. eu digo, textualmente:
(...) são cidades que escoam pobreza por todo lado, o que dá uma tristeza quase permanente estando lá (lá e aqui, né?!). - sim, isso é um problema do brasil, não só de maceió, repito para ficar mais claro.

em um comentário, eu disse que não é uma questão determinista - que quem nasce em salvador é alegre e vibrante e quem nasce em maceió é letárgico e resignado, não - eu reafirmo depois.

ambos são sofridos, explorados, marcados por injustiças como em todo esse nosso país. como, da mesma forma, em todo o brasil há desonestos, corruptos e exploradores. o que me parece nítido, entre o povo de salvador e o de maceió, e a auto-estima maior do primeiro em relação ao segundo, por tudo aquilo que já comentei aqui.

sim, eu sei que fernando collor nasceu no rio e lamento tanto a volta dele quanto a de paulo maluf, eleito por são paulo. da mesma forma que fiquei feliz por ver visto maceió escolher, em 96, entre duas mulheres progressistas a eleição para a prefeitura.

se você ler novamente o que eu escrevi, talvez entenda que meu comentário é um grande desagravo ao povo de alagoas.